terça-feira, 31 de maio de 2011

Músicas Cubanas

Domingo, quatro e meia da tarde. A voz de John Lennon embargava os meus ouvidos e eu me sentia completamente feliz... por uma série de razões. Nenhuma que estivesse ligada intimamente àquele lugar. Mas eu me sentia bem. Eu tenho uma facilidade grande em me alhear do mundo... fiquei olhando para a parede e despertei com o cheiro que vinha do andar de baixo. Tempero e carne cozida. Eu não sei porque preferi ficar sozinha. Com receio de que ele pensasse que eu não queria estar ali, desci as escadas e sentei na cozinha olhando-o trabalhar.


-Me fale uma coisa que você goste, ele disse, sem tirar os olhos da panela.
-Me pergunte algo e eu falo se gosto ou não.

Ele virou para me olhar. Eu permaneci séria. 
Ele pareceu achar graça.


-Gosta de abacate?
-Não.
-Jaca?
-Não.
-Ferrero Rocher?
-Não vale. Você já sabe a resposta. Você gosta de jaca e de abacate?
-Gosto.

Ele jogou o alho moído na panela e eu fechei os olhos. Se ele tivesse me perguntado se eu gostava do cheiro do alho frito, eu teria dito que sim. Quando reabri os olhos, ele estava fuçando alguma coisa na geladeira. Voltou para a panela e desligou o fogo. Era engraçado vê-lo cozinhar, visto que eu mesma não cozinhava. Era natural para ele como nunca foi para mim. Como de costume, comecei a reparar nas outras coisas que estavam acontecendo ao redor... a música do andar de baixo era completamente diferente da que eu estava ouvindo no quarto dele. Era um ritmo quente, mas melodioso, que eu não conhecia.



-O que é isso que está tocando?
-Músicas cubanas. 
-Ah.


Silêncio.

-Alguém já cozinhou pra você?
-Uma vez, algum tempo atrás. Nada sofisticado.
-Um animal morto?
-Não.
-O que cozinharam pra você?
-Batatas.
-Uau.
-É. 

Fiquei em silêncio por mais um tempo. Ele jogou o macarrão na panela de água fervente e perguntou se eu não poderia descascar maçãs para o suco. Eu sorri sem graça e ele mudou de idéia. Eu não gosto de facas... O som agitado logo foi substituído por algo mais conhecido, de gosto popular. Franzi as sobrancelhas.

-Você gosta de que tipo de música?
-Muitas.
-Você é tão vaga...
-Muito.
Ele riu.
-É sério.
-Ta bom. Eu gosto de Beatles.

Ele mordeu os lábios e eu sabia bem o por que. Ele não tinha Beatles em casa.
Eu sorri. Ele não precisava me agradar o tempo todo. Beirava a irritação para mim. Quando ele terminou de cozinhar o macarrão, o molho já estava pronto, e o suco feito, ele olhou pra mim com aquela expressão. Aquela, de quem vai aprontar. Jogar uma bomba na sua mão.

-No quartel eu tive que aprender a cozinhar. Mas eu também já sei lavar e passar. Da pra casar. O que você acha?
-Eu?!
-Você.
-Eu acho que as músicas cubanas acabaram.

cn



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