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Tudo começou seis anos trás num sábado nublado de abril, quando tudo ainda tinha algum sentido. Eu estava me preparando para um dos ensaios finais do recital de ballet do qual eu participaria quando meu pai me abordou no corredor de minha antiga casa.
-Você se lembra de quando Heloisa disse que se pudesse atiraria em sua própria cabeça?
Eu fiquei confusa. No dia anterior, na volta da escola, havia visto Heloisa e ela me parecia bem. Pelo menos, para o conceito de uma criança.
-Me lembro, pai. - foi tudo o que consegui responder.
-Bom, o que ela fez foi algo semelhante.
Minha garganta secou. Encarei meu pai durante alguns segundos, imaginando se ele me levaria ao hospital onde ela estava internada, certa de que no momento em que ele me dava a notícia ela já estava se recuperando.
-Mas ela vai sobreviver, não vai?
-Juliana, minha filha. Heloisa está morta.
Eu nunca esqueci a expressão de meu pai quando me disse aquilo, o jeito como me olhou beirava a piedade. Eu olhei para o chão sem saber exatamente como levantar o rosto outra vez e deixei que meu corpo caísse para trás. Senti minhas costas encostarem na parede e meu corpo deslizar para o chão, senti as lágrimas saltarem dos meus olhos sem que eu pudesse contê-las, senti algo atravessando o chão, deixando-me para sempre. Ele se abaixou e puxou o meu queixo para que eu pudesse olhá-lo.
-Eu estou indo para lá. Margareth acabou de me ligar... Adalgisa se recusa a deixar o corpo de Heloisa. Você precisa... estar em casa quando seu irmão chegar.
-Eu não vou dizer ao Eduardo.
Ele simplesmente levantou e se foi. Minha mãe o acompanhou até o portão, seu rosto era de um pesar que eu nunca tinha visto antes. Minutos depois quando ela voltou para dentro de casa eu ainda estava caída no corredor. Ela se sentou ao meu lado e ficou comigo por muito tempo, até que eu resolvi perguntar o que realmente tinha acontecido.
Heloisa era cinco anos mais velha que eu e, na realidade, era a melhor amiga do meu irmão. Ela era uma garota incomum, por falta de outra palavra, e era muito carinhosa e divertida, mas tinha depressão. Com a idade de 13 anos eu não entendia bem essa doença, apesar de meu pai ser psiquiatra, e por isso quase nunca conseguia perceber a melancolia por trás de suas brincadeiras. E foi essa maldita depressão que levou minha amiga desse mundo. Como todos os jovens da nossa geração, ela passava o dia no computador e um dia conheceu uma pessoa em uma comunidade suicida. Um médico. Ele ensinou a ela formas de se matar sentindo a menor dor possível... ajudou-a a planejar o golpe que tiraria sua vida. Enforcamento.Enquanto minha mãe me dava detalhes do que tinha se passado, eu sentia as coisas mudarem dentro de mim.
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